
"Conhecimento Brasil" e o desafio de reter talentos em um país que cuide das pessoas
Fernando Valente Pimentel*
Em recente visita a Portugal, tivemos a oportunidade de conversar com muitos brasileiros e brasileiras que escolheram viver fora do nosso país. Cada história era única, mas havia um fio comum: o desejo por uma vida mais segura, com acesso de qualidade à saúde, à educação e a oportunidades profissionais. Esse ponto de congruência reforçou uma percepção que muitos de nós carregamos: o Brasil forma pessoas talentosas, criativas e altamente capacitadas, mas ainda enfrenta dificuldades para lhes oferecer as condições de permanência, realização e reconhecimento.
Diante disso, é com entusiasmo que recebemos a notícia da implementação do programa Conhecimento Brasil, coordenado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A iniciativa visa repatriar cientistas brasileiros que atuam no exterior, por meio da contratação de quase 600 projetos de pesquisa que serão desenvolvidos no País nos próximos cinco anos.
Esses profissionais vêm de 34 nações e de instituições mundialmente reconhecidas, como Harvard, Oxford, Karlsruhe, Porto e Lisboa. Ao todo, serão investidos R$ 604 milhões, incluindo a destinação de mais de 30% dos projetos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. É uma iniciativa robusta, que fortalece a ciência nacional e sinaliza que o Brasil deseja — e pode — atrair seus talentos de volta.
Porém, tão importante quanto repatriar cientistas é construir uma nação que seja atrativa para todos os seus cidadãos: engenheiros, médicos, técnicos, administradores, professores, profissionais de todas as áreas e empreendedores. Almejamos uma pátria na qual estudar e trabalhar no exterior sejam oportunidades e não fuga e para a qual seja também atrativa a alternativa de voltar.
O Conhecimento Brasil é um avanço. Contudo, ele precisa estar inserido em uma estratégia mais ampla e perene, que una políticas de valorização da ciência com um compromisso real de promoção da segurança pública, da saúde e da educação. Precisamos de um ambiente institucional confiável, com estabilidade, justiça e oportunidades. Para isso, é crucial um país e uma sociedade que reconheçam e cuidem do valor das pessoas.
Essa estratégia mais ampla é imprescindível, pois, como bem observa o cientista Marcelo Gleiser, há um sério problema de instabilidade no financiamento da pesquisa científica no Brasil. Muitos projetos exigem continuidade por cinco, dez ou até quinze anos, mas o ambiente de incertezas empurra os pesquisadores para áreas que dão retorno imediato, em detrimento da inovação de longo prazo. Concordamos com ele quando salienta a necessidade de construir pontes entre quem está dentro e fora do País e, sobretudo, entre a ciência e o público em geral.
A retenção de talentos é um desafio transversal e urgente, como demonstrado no recorte referente à inteligência artificial. Nesta vertente revolucionária da tecnologia também tem sido difícil desenvolver e manter profissionais altamente qualificados no País. Sem ações consistentes, como planos de carreira atraentes e reconhecimento profissional, o Brasil arrisca perder os cérebros necessários para protagonizar o próprio futuro numa área cada vez mais decisiva para a economia e todos os setores de atividades. Essa é mais uma evidência do significado do novo programa.
Não há nação desenvolvida sem gente bem formada, respeitada e engajada com seu tempo e com seu território. Ao atrair cientistas de volta, o Brasil envia uma mensagem positiva ao mundo e a si mesmo. Mas, para que ela torne-se realidade duradoura, precisa ser acompanhada de ações consistentes para tornar o País um lugar onde viver, trabalhar e sonhar seja, de fato, possível para todos.
Isso exige muito mais do que repatriações pontuais, mas também mudanças de mentalidade. Um país que quer reter e atrair seus talentos precisa ver-se como protagonista na produção de conhecimento e não apenas como consumidor de tecnologias externas. Necessita dar visibilidade a quem faz pesquisa aqui e integrar esses cientistas à vida da sociedade, às escolas e aos debates públicos. Em síntese, é premente oferecer estabilidade, continuidade e propósito àqueles que se dedicam à produção de conhecimento.
Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit)
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