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Minas: onde a fé molda o barro e a esperança

Por Leônidas Oliveira - Ph.D. em Teoria da Arte e da Arquitetura –
Secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais

Há poucos dias, recebi a imagem de uma escultura feita por Jorge da
Cruz, artesão da comunidade de CD, em Raposos. Era uma representação
de Nossa Senhora da Piedade — a Mãe com o Filho morto nos braços —
moldada em barro com traços simples e fortes. Ao vê-la, fui tomado por
um silêncio antigo, como se estivesse diante de algo que não se
explica, apenas se sente. Era mais do que uma peça. Era oração
encarnada em forma.

Hoje, 31 de julho, celebramos o dia da dedicação do Santuário de Nossa
Senhora da Piedade, padroeira de Minas Gerais. Situado no ponto mais
alto da Região Metropolitana, a 1.746 metros de altitude, o santuário
paira sobre o território como vigília e promessa. Desde que foi
proclamada padroeira principal do estado pelo Papa João XXIII, em
1960, a Virgem da Piedade tornou-se símbolo de Minas — e Minas, por
sua vez, espelha-se nela como terra que acolhe a dor com fé e
silêncio.

Mas o que mais me comoveu ao ver a imagem de Jorge foi perceber que a
devoção mineira não vive apenas nos altares barrocos ou nas procissões
monumentais. Ela vive também no quintal, na oficina, nas mãos
calejadas que ainda moldam o barro. Como escreveu Adélia Prado: “O que
a memória ama, fica eterno.” O artesanato popular é esse gesto de
eternizar o que amamos: a fé, os símbolos, os afetos.

A imagem da Piedade modelada por Jorge carrega um traço fundamental da
cultura mineira: a capacidade de expressar o sagrado com os recursos
da vida comum. O rosto de Maria, inclinado com doçura e dor, os pés
descalços, as mãos envoltas no corpo inerte do Filho — tudo ali é
expressão viva da compaixão. Não há técnica apurada, mas há verdade. E
onde há verdade, há arte.

Na Serra da Piedade, a pedra sustenta o templo. Nas mãos do artesão, o
barro sustenta a imagem. Ambas são formas de elevar o humano ao
divino. O santuário é peregrinação. A escultura, permanência. Ambas
revelam que, em Minas, a fé não é só crença: é cultura, é linguagem, é
forma de coesão.



O artesanato religioso em Minas é, há séculos, um elo profundo entre
fé e comunidade. Nas vilas e cidades do estado, ele constrói
pertencimento, transmite saberes, preserva vínculos. Ao moldar uma
imagem, o artesão não está apenas criando: está compartilhando um
código simbólico que une o povo. Como escreveu Guimarães Rosa, “as
pessoas não morrem, ficam encantadas.” Assim também acontece com as
mãos: quando moldam com fé, permanecem encantadas nas formas que
deixam.

A escultura de Jorge da Cruz não está em vitrines, mas na continuidade
de um gesto ancestral. E hoje, ao celebrarmos a dedicação da padroeira
de Minas, recordamos que essa fé moldada com barro, suor e silêncio
ainda sustenta nossa gente. Porque em Minas, o sagrado não está
distante: está nas mãos do povo.

E talvez seja isso o mais belo: a imagem de Nossa Senhora da Piedade
continua viva, não apenas na pedra da serra, mas no barro que chora e
na esperança que se molda todos os dias em tantas comunidades do nosso
estado.

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