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Socorro, minha mãe tem síndrome de Munchausen!

Queridos leitores,

Há pouco tempo, reencontrei uma amiga de longa data para um café. Na adolescência, compartilhamos aulas de dança, mas a rotina e a distância tornaram difícil mantermos contato. Com a permissão dela, compartilho aqui o relato que inspirou este artigo — sem expor sua identidade, mas somando sua experiência à reflexão proposta.

Minha amiga atua há anos na área da saúde. Durante nossa conversa, um de seus pacientes entrou no café: um menino inteligente, curioso e cheio de energia, acompanhado pela mãe e pela babá. Enquanto se distraía com dinossauros na loja, a mãe, sempre atenta, fazia o pedido. Em instantes, o garoto atravessou o balcão, derrubando uma bandeja de broas que tinha acabado de sair do forno.

Como professora, pensei que a mãe fosse acalmar o filho, alertá-lo sobre o perigo e pedir desculpas ao local. Para surpresa, ela começou a gritar com a babá, acusando-a de maus tratos. Alegou que o filho tinha Autismo, TDAH, TOD, dificuldades motoras e diversas síndromes, exigindo atendimento especial do estabelecimento. O menino chorou com a reação da mãe, que ficou ainda mais nervosa.

Minha amiga, médica, observou à distância enquanto a mãe discutia por longo tempo com a gerente, até se retirar do lugar. Foi então que explicou tratar-se de um caso típico de Síndrome de Munchausen. Comentei que já havia visto um filme sobre como esse transtorno pode impactar uma família, e minha amiga detalhou: a Síndrome de Munchausen, também chamada de Transtorno Factício, é um distúrbio psicológico em que alguém inventa ou exagera sintomas para conseguir atenção, simpatia e cuidados médicos. Suas causas ainda não são totalmente compreendidas, mas traumas infantis, abusos e problemas de relacionamento estão entre os fatores. Profissionais da saúde, devido ao estresse da carreira, podem ter maior predisposição.

Apesar de estar associada a crianças, a síndrome acomete mães que, diante do medo do abandono ou de apoio limitado, projetam afeto e atenção nos filhos de forma excessiva. O cuidado materno saudável se transforma em busca por atenção, e como os médicos se baseiam, em parte, nas observações das mães, relatos exagerados podem virar laudos, diagnósticos e incapacidades. Ao chegar à escola, professores e profissionais se surpreendem: os laudos não coincidem com o desenvolvimento e o potencial observados nas crianças. Muitas mostram habilidades que contradizem as descrições apresentadas pela mãe, que insiste em destacar limitações.

Mas, Gisele, médicos e psicólogos não percebem o exagero? Segundo minha amiga, não é questão de falta de capacidade profissional. Muitas vezes, os pais não aceitam participar de avaliações ou terapias porque não se reconhecem doentes. Com conhecimento médico, alguns relatam os sintomas com naturalidade ou pesquisam detalhes sobre as doenças. O medo de perder o filho, traumas passados e falta de rede de apoio adoecem a mãe, dificultando até para o médico negar um diagnóstico.

O impacto não recai apenas sobre a mãe, compromete a saúde mental de crianças e adolescentes. A busca por atenção cria uma maternidade marcada pela superproteção, constantes trocas de escola e conflitos — sempre atribuídos ao outro porque ela nunca se vê errada, critica tudo, aponta falha em tudo e ninguém está à altura de atender bem seus filhos. A mãe pode ensinar o filho a mentir sobre sintomas ou fazê-lo acreditar que está doente. Além de mudar constantemente de profissionais, sempre se mostrando satisfeita, até que não seja contrariada!

Esses impactos levam a problemas físicos e emocionais, relações familiares prejudicadas, uso excessivo de recursos médicos, procedimentos desnecessários e diagnósticos equivocados. Sim, existe a doença, mas quem precisa de tratamento é a mãe, não o filho.

A prevenção depende de conscientização sobre o transtorno, educação e formação contínua dos profissionais de saúde e do público, além da valorização da equipe médica. Profissionais precisam estar atentos, pois quem sofre da síndrome pode convencer médicos, pediatras, psiquiatras e terapeutas de que existe uma doença instalada. Sem avaliação cuidadosa, geram-se laudos e incapacidades que não refletem a verdadeira situação.

O problema não é apenas clínico: envolve uma sociedade adoecida e profissionais comprometidos em oferecer o melhor cuidado. Após a pandemia de COVID-19, aumentaram os casos de sintomas relacionados a transtornos mentais, o que também pode ter contribuído para o crescimento da Síndrome de Munchausen.

A Síndrome de Munchausen é um transtorno complexo, com consequências sérias. É essencial que profissionais de saúde estejam atentos e trabalhem em parceria com os profissionais da educação, para que o cuidado seja coordenado e os procedimentos, adequados, já que professores, monitores e profissionais de dentro das escolas, conseguem observar as crianças no cotidiano como elas realmente são. Mães que insistem em laudar seus filhos devem receber acompanhamento psicológico também, evitando projetar na criança uma doença que não lhe pertence — e permitindo que o amor materno, o maior de todos, não se transforme em risco.

Enfim, crianças e adolescentes precisam ser acolhidos, respeitados e incentivados a alcançar suas potencialidades. Limites são necessários, mas o fundamental é oferecer amor, escuta, terapia e muita compreensão pois acabam sendo vítimas e reféns de um comportamento adoecido, de uma superproteção que sufoca, quando deveria proteger.

Se aquele menino pudesse expressar o que vive sob a proteção materna e os frequentes conflitos, ele diria: “Socorro, minha mãe tem síndrome de Munchausen!”

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