O Desespero Natalino Ataca Novamente
Era uma tarde qualquer, ou melhor, uma tarde supostamente comum, porque nada é muito normal quando chega dezembro. Eu caminhava pelo shopping com aquele ar blasé de quem só queria “dar uma olhadinha”, uma expressão que, se existisse um dicionário traduzindo intenções femininas reais, significaria algo próximo de: “quero observar as pessoas, me distrair e, eventualmente, procurar e comprar algo que não preciso, o que vai fazer sentido no meu discurso interno por no mínimo três dias.”
Assim que dei os primeiros passos
naquele corredor polido, senti a vibração típica do fim de ano: a pressa. Não
era uma pressa comum. Era uma pressa com glitter, empurrões estratégicos e
gente carregando sacolas como se estivessem levando órgãos vitais que
precisavam ser transplantados com urgência. Final de ano transforma todo mundo
numa mistura de atleta olímpico com protagonista de novela das oito: correndo,
exagerando e carregando dramas invisíveis.
Mas o que realmente me chamou a
atenção foi a Black Friday. Mais especificamente: os descontos. Ah, os
descontos questionáveis de uma sexta-feira que já começa na quarta e termina na
terça da semana seguinte. Eu andava olhando as vitrines com a mesma postura de
quem está prestes a investigar um crime: sobrancelha arqueada, braços cruzados,
raciocínio afiado. “De R$ 499 por R$ 449.”
“Uau”, pensei. “Que desconto...
emocionante”. Tão emocionante quanto ver tinta secar.
Eu desconfiava. Eu já tinha visto
aquele mesmo produto custando R$ 329 no mês anterior. Aliás, desconfiança, para
mim, não é um sentimento. É um talento nato. Eu nasci com aquele gene que
encontra preço alto mesmo quando está escrito “oferta imperdível”.
Mas não basta a ilusão da Black
Friday. Existe uma magia que atua exclusivamente sobre mulheres dentro de
shoppings: a hipnose das vitrines. De repente, lá estava eu, parada diante de
uma loja cheia de sabonetes, hidratantes, difusores e um pote lindo de
esfoliante corporal, um produto que eu tenho em casa: um no uso e outros dois
potes em estoque. “Ah, mas esse vem com essa colherzinha de madeira junto,
Desse eu não tenho...”. Era a minha voz resolvendo a treta entre meu id e meu
superego.
E então acontece o fenômeno
sociológico mais fascinante da espécie feminina: se outra mulher comprar, eu
automaticamente preciso.
Pode ser qualquer coisa: um
hidrante de cutícula, um massageador para sobrancelha, um organizador de
gavetas (como se isso fosse possível), um tênis para caminhadas em Marte. Se
ela comprou, eu sinto que talvez minha vida inteira estivesse errada sem
aquilo.
Outro dia eu me vi completamente
rendida, observando uma desconhecida pegando um secador “tecnologia de fluxo
ionizado 4D” no Instagram. De repente, o
aparelho virava parte do meu destino. “Nossa, eu realmente preciso melhorar a
saúde emocional dos meus fios.”
E assim segui, tropeçando em
pessoas apressadas, analisando preços suspeitos e tentando, inutilmente, manter
alguma dignidade financeira.
Natal chegando… e as loucuras
também. O pior mesmo é que dezembro não traz só a Black Friday, traz também o
terror psicológico dos presentes. O Natal é uma época mágica, dizem. Para mim,
mágica mesmo é a capacidade de algumas pessoas para convencer de que compraram
presentes com carinho quando na verdade compraram com desespero e pressa, uma
combinação catastrófica, diga-se de passagem.
E, claro, tem o amigo secreto.
Esse ritual ancestral em que a gente tenta adivinhar quem tirou quem, finge
surpresa no fim e recebe presentes que variam entre “útil”, “engraçadinho” e “o
que exatamente faço com isso?”. Eu já ganhei porta-copo, porta-joias,
porta-batom, e até porta-absorventes. Deve ser por isso que não participo de
amigo secreto há uns oito anos.
Mas, apesar de todo o caos,
sempre tem aquela amiga que consegue se destacar. Uma das minhas, por exemplo, odeia Natal. Mas odeia de
um jeito cômico, teatral. Em dezembro, ela se transforma. O humor dela azeda no
dia 1º, cristaliza no dia 5 e entra em estágio avançado no dia 10. Basta ouvir
“ho ho ho” para ela revirar os olhos com a intensidade de quem está tentando
enxergar o próprio cérebro. Eu a adoro. Especialmente quando chega dezembro e
ela se torna uma espécie de Grinch. O Grinch é uma criatura verde, peluda,
rabugenta e profundamente avessa ao Natal.
Enquanto eu caminhava pelo
shopping, uma nostalgia bem gostosa me bateu. Lembrei da minha infância no
interior, quando a abertura do comércio à noite era praticamente um evento
municipal. As pessoas se arrumavam para “ir ver o movimento”. Era lindo:
famílias andando pela praça, crianças correndo atrás dos Papais Noéis que distribuíam
balas e aquela sensação de que o Natal iluminava não só a cidade, mas a própria
vida.
Hoje, essa magia foi substituída
por um Papai Noel sentado em trono de plástico dourado, tirando fotos por R$
49,90 e suando dentro da fantasia porque, claro, aqui é Brasil. E não é
qualquer Brasil: é Brasil em dezembro. O único país que celebra o Natal com as
pessoas derretendo no shopping. O verão brasileiro cria toda uma confusão
identitária. Assistimos aos filmes com neve, casacos, chocolate quente… e aqui
estamos nós: montando árvore de Natal com o ar-condicionado no máximo e uma
garrafa de água gelada do lado. Eu queria muito viver o encanto do inverno
europeu todos os anos, mas a realidade se impõe e mostra que, na ceia, o peru
está competindo diretamente comigo para ver quem fica mais suado.
Entre lembranças, sacolas e
calor… eu sigo observando. Continuei andando reparando nas pessoas - o que,
aliás, é um dos meus melhores passatempos gratuitos da vida.
Tinha a moça equilibrando cinco
sacolas, uma expressão de derrota e uma faixa de cabelo que claramente estava
pedindo descanso. Tinha o casal discutindo a lista de presentes como se
estivessem negociando um tratado de paz internacional. Tinha a adolescente
indignada porque a loja “não estava com a promoção que ela viu no TikTok”.
E tinha eu.
Eu, com pensamentos tão
acelerados quanto o fluxo de gente.
Eu, lembrando de como o Natal já
foi mágico e de como hoje eu me sinto feliz por ter sobrevivido mais um ano ao
caos silencioso e cômico da vida adulta.
A verdade é que, apesar das
minhas suspeitas sobre os descontos, da hipnose das vitrines, da amiga querida
e “natalinamente” mal-humorada e das memórias de um interior mais calmo, eu
ainda gosto desse caos de dezembro. Gosto do brilho das coisas, do exagero, das
músicas tocando em loop, do clima de - ao menos aparentemente - esperança
coletiva.
Talvez essa seja a verdadeira
magia do Natal brasileiro: sobreviver ao calor, às filas, às compras impulsivas
e às black fraudes, ao caos presente desde os shoppings mais chiques de São
Paulo até a Rua Vinte e Cinco de Março e ainda assim conseguir rir de tudo
isso.
E foi exatamente isso que fiz
naquele shopping. Ri de mim. Ri das pessoas. Ri das lojas. E, claro, comprei um
esfoliante corporal que eu não precisava. Um para mim e mais dois para duas
amigas com quem me encontraria naquele fim de semana. Um item de extrema
necessidade, obviamente, sem o qual nenhuma de nós, a partir de agora, poderá
viver sem.
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