O Filho de Mil Homens: sobre gritos e silêncios
Por
Farid Zaine
@farid.cultura
farid.cultura@uol.com.br
“Um
homem chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho.
Chamava-se Crisóstomo.
Estava
sozinho, os seus amores haviam falhado e sentia que tudo lhe faltava pela
metade, como se tivesse apenas metade dos olhos, metade do peito e metade das
pernas, metade da casa e dos talheres, metade dos dias, metade das palavras
para se explicar às pessoas”.
Começa
assim o livro “O Filho de Mil Homens”, de Valter Hugo Mãe. Como não prosseguir
com a leitura com um início tão
instigante? Sentimo-nos imediatamente, em poucas linhas, na pele de Crisóstomo,
na busca de sua completude, no entendimento de sua indesejada solidão. Assim,
com certeza, sentiu-se Daniel Rezende, que se aventurou na adaptação da obra de
Mãe, escrevendo o roteiro e dirigindo o filme homônimo que, segundo os créditos
, ele e a equipe sonharam fazer. Rezende captou de forma delicada e com extrema
beleza visual e sonora a obra magnífica de Mãe.
“O
Filho de Mil Homens”, que estreou na Netflix no dia 19 de novembro, é um
mergulho – às vezes literal – nas vidas de pessoas de uma vila de pescadores, e
nos vínculos que vão se estabelecendo com a história de Crisóstomo,
brilhantemente interpretado por Rodrigo Santoro, no auge de sua maturidade como
ator internacionalmente consagrado. Santoro se desfaz de sua imagem de galã
para compor a figura da personagem principal da história, um homem com roupas
rústicas, barba sempre por fazer, e um olhar que mistura tristeza, angústia e,
ao mesmo tempo, esperança e sabedoria. O menino Miguel Martines foi o achado
perfeito para interpretar Camilo, o filho que Crisóstemo finalmente recebe em
sua vida, para com ele ir ao encontro de uma família peculiar, que os dois constroem
aos poucos. Muitos temas perpassam pela narrativa de “O Filho de Mil Homens”. A
masculinidade tóxica e o preconceito aprecem nas cenas das personagens de
Johnny Massaro, como Antonino, homossexual rejeitado pela comunidade, e de Juliana
Caldas, como Francisca, a anã cuja
história compreenderemos melhor na parte final do longa. Rebeca Jamir, como
Isaura, Lívia Silva como Isaura jovem e
Grace Passô, como Maria, sua mãe, brilham nos seus papéis, assim como Inez
Viana, como a mãe repressora de Antonino. Nos minutos finais aparece a atriz
mirim rio-clarense Duda Sampaio, de apenas 8 anos, como Mininha. Numa
participação curta, mas expressiva, Duda Sampaio contracena com desenvoltura com um grande
astro como Santoro; o abraço que sua personagem dá em Crisóstomo pode ser um símbolo de que a garota já abraçou
também uma carreira promissora no cinema.
O
filme de Rezende chega numa fase gloriosa para o cinema brasileiro, que vive um
momento de reencontro com seu público e passa a ser mais notado no universo
cinematográfico mundial, muito pelo efeito do Oscar para “Ainda Estou Aqui”, o
Globo de Ouro para Fernanda Torres e os prêmios de direção e ator em Cannes
para Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura, respectivamente, pelo sensacional “O
Agente Secreto”.
Delicado
e poético, “O Filho de Mil Homens” tem belos textos falados por Zezé Motta, lindas imagens
da natureza e seus sons, mas sobretudo é feito por longos silêncios, muitas vezes
mais reveladores do que as palavras. Não raro, surgem também gritos potentes e
libertadores que dão sentido pleno aos sentimentos das personagens e suas
histórias, algumas delas trágicas.
Seja
bem-vindo o filme “O Filho de Mil Homens”, e que tenha uma longa carreira de
sucesso e reconhecimento. Ainda bem que Rezende sonhou em filmar o livro de
Valter Hugo Mãe e nos entrega essa obra que atravessa nossos olhos e
ouvidos para se aninhar no fundo de
nossas almas.
O
FILHO DE MIL HOMENS (Brasil, 2025) – longa de Daniel Rezende com Rodrigo
Santoro e grande elenco. Disponível na Netflix.
Cotação:
*****ÓTIMO
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