O que ficou definido no Pacote de Belém depois da COP 30
Após duas semanas de receptividade da população paraense, foi
encerrada, há uma semana, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima. Com o Brasil na permanência da presidência até a realização da próxima
edição em Istambul, na Turquia, ainda há muitos desafios a partir da ambição de
frear os efeitos das mudanças climáticas, porém o saldo foi considerado
positivo em diferentes frentes de negociação na COP do Brasil.
Para trazer mais detalhes e pontuar os desafios diplomáticos deste
evento do clima, a Gazeta de Limeira entrevistou o representante ambiental da
AMPPESP Associação dos Municípios de médio e pequeno porte do Estado de São
Paulo junto à COP30, Joaquim Dutra Furtado Filho. Ele é graduado em Direito,
com pós-graduação em Direito Ambiental e em Gestão e Políticas Públicas, além
de Mestrado em Ensino e História de Ciências da Terra pela UNICAMP. Coordenou a
Câmara Técnica de Meio Ambiente da Região Metropolitana de Piracicaba.
A meta de triplicar
o financiamento para adaptação até 2035 é realista? Quais obstáculos podem
impedir sua implementação?
É uma meta tecnicamente possível, mas politicamente desafiadora. Há
consenso crescente sobre a urgência de adaptação, porém a mobilização
financeira depende de alguns fatores essenciais, entre eles, a vontade política
e segurança econômica dos países doadores, especialmente em um cenário
internacional de instabilidade geopolítica e fiscal.
O “Mutirão Global”
apresentado pela Presidência da COP30 pode realmente fortalecer a cooperação
internacional ou permanece mais como um gesto simbólico?
O Mutirão Global pode ir além do simbolismo, pois surge como um chamado
conjunto para a ação. Seu sucesso dependerá de transformar a ideia em prática com
metas definidas, prazos, divisão equilibrada de responsabilidades e formas de
acompanhar os resultados. Politicamente, representa um avanço por demonstrar
união em um cenário internacional fragilizado. Porém, o verdadeiro desafio será
transformar essa mobilização em recursos e políticas que funcionem na prática.
Qual é o impacto prático da retirada do
roteiro global para o fim dos combustíveis fósseis no texto final?
Sem um roadmap, perde-se previsibilidade, algo chave para atrair
investimentos e guiar a transição econômica. Um plano global ajudaria a definir
prazos, ritmo e responsabilidades na redução dos combustíveis fósseis; sem ele,
o avanço segue lento e desigual. Não é um retrocesso total, mas uma perda de
velocidade. O tema permanece em debate e pode voltar ainda mais forte, já que
questões adiadas tendem a gerar maior pressão política e diplomática no futuro.
O compromisso público de mais de 80 países é
suficiente para manter o tema vivo nas próximas negociações?
Sim. O apoio de mais de 80 países mantém o tema ativo nas negociações e
evita retrocessos. Porém, quantidade não basta: o desafio agora é transformar
esse apoio em ações concretas, com metas claras e mecanismos financeiros que
viabilizem a transição, especialmente para países ainda dependentes de
combustíveis fósseis.
A COP30 deixa claro que a transição para baixas
emissões é irreversível, mas isso se traduz em ações concretas?
A COP30 mostra que a transição para baixas emissões é um caminho sem
volta, mas isso ainda não se reflete totalmente em ações. Há avanços em metas,
financiamento e indicadores, porém a implementação segue lenta e desigual. O
rumo está claro, impulsionado por mercado, tecnologia e regulações; o desafio
agora é acelerar e ampliar essa transformação.
Quais são os
principais entraves atualmente para acelerar a transição energética em escala
global?
- Dependência econômica de combustíveis
fósseis em alguns países exportadores.
- Financiamento insuficiente e mal
distribuído, com pouco acesso para nações vulneráveis.
- Infraestrutura ainda limitada para
energias renováveis e armazenamento.
- Burocracia e ausência de marcos
regulatórios claros em vários países.
- Resistência política de setores
intensivos em carbono.
O desafio não é tecnológico é político, econômico e distributivo.
Como os países em
desenvolvimento podem equilibrar demandas socioeconômicas com urgência
climática?
Países em desenvolvimento podem avançar
equilibrando clima e crescimento, em vez de tratá-los como opostos. Isso passa
por investimentos em energias limpas, agricultura sustentável, infraestrutura
resiliente e bioeconomia. Mas é preciso também financiamento internacional,
tecnologia acessível e políticas sociais que evitem desigualdades. Quando bem
planejados, desenvolvimento e clima podem caminhar juntos.
Quais pontos devem
ser prioridade imediata para a COP31 diante das lacunas deixadas em Belém?
- Reconstruir o debate sobre o roadmap dos
combustíveis fósseis com proposta objetiva.
- Definir mecanismos concretos para a meta
de triplicar investimentos em adaptação.
- Detalhar instrumentos de transição justa,
garantindo proteção social e empregos.
- Operacionalizar o financiamento para
agricultura e sistemas alimentares sustentáveis.
- Avançar em métricas globais de
transparência e implementação.
Que tipo de política ou instrumento
internacional ainda falta para garantir a redução efetiva do uso de
combustíveis fósseis?
Ainda falta um acordo global forte e vinculante para reduzir o uso de
combustíveis fósseis, com metas por prazo, apoio financeiro aos países
dependentes e um fundo específico para uma transição justa. Um instrumento
assim daria previsibilidade à economia e sinal claro para substituir carvão,
petróleo e gás por energia limpa.
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