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"Professores sofrem com discriminação, assédio e furtos nas escolas de Limeira"

O vice-presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), o professor limeirense Fábio Moraes conversou com a Gazeta sobre violência dentro das escolas. Conforme a Gazeta já mostrou no meio da semana, a Apeoesp divulgou nesta semana uma pesquisa realizada com os professores no estado. Mas, de acordo com o professor, essa é a realidade vivida pelos docentes limeirenses. Entre outras coisas, Moraes fala sobre a importância da presença dos pais na vivência escolar e a dificuldade de se instalar uma cultura de paz nos estabelecimentos de ensino do Estado.

Como está a questão de violência contra professores em escolas de Limeira hoje? A Apeoesp recebe muitas denúncias e reclamações?
A violência nas escolas é um problema epidêmico, acontece em todas as regiões do Estado, e atinge gestores, professores, estudantes e funcionários. Na quarta-feira, 29, a Apeoesp divulgou uma pesquisa realizada pelo sindicato por meio do Instituto Locomotiva que apontou o agravamento de casos de violência e o clima de insegurança no pós-pandemia. Para se ter uma ideia, 48% dos estudantes e 19% dos professores disseram sofrer algum tipo de violência em suas escolas. Além disso, 69% dos estudantes, 68% dos professores e 75% dos familiares ouvidos pela pesquisa consideram haver um nível médio ou alto de violência nas escolas. A pesquisa ouviu em todo o Estado de São Paulo 3.610 pessoas – estudantes, professores e familiares.

Proporcionalmente, estes números revelados pela pesquisa refletem o que acontece aqui em Limeira, como em outros municípios do Estado. Enfrentamos aqui problemas com drogas, com a agressão física, com agressão verbal, discriminação. Há pouco tempo, uma escola foi pichada dizendo que teria um ataque naquela unidade, em outra o aluno ameaça a gestora, ocorreu em uma unidade, o aluno exaltar a tragédia ocorrida em São Paulo, tem reclamação de falta de ronda escolar no horário de saída e entrada, tráfico de drogas e ameaças físicas entre outras. Isto assusta a comunidade. Outra questão importantíssima que a pesquisa revela: a avaliação de insegurança é maior na periferia. Por exemplo, quando perguntado ao estudante se ele sofreu algum tipo de violência na escola, 16% dos alunos de escolas da periferia disseram ter sofrido agressão física, contra 8% dos que frequentam escolas centrais. A causa passa pela falta de estrutura, superlotação de salas, falta de professores, falta de funcionários, falta de psicólogos.

Quais são os principais tipos de violência contra professores nas escolas de Limeira hoje? Qual a maior reclamação dos professores?
A pesquisa da APEOESP apontou que, entre os professores, os principais tipos de ocorrências são agressão verbal, bullying, furto, assédio moral, assalto, discriminação e agressão física. Infelizmente, um professor de uma escola de tempo integral aqui de Limeira relatou para nós ter sofrido ataques racistas de um grupo de estudantes e até agressão física por parte de uma aluna. Outro nos relatou que no ano passado um aluno do 3º ano do Ensino Médio o ameaçou, dizendo aos colegas que daria um soco no professor, enquanto ele estava explicando a matéria na lousa. Há relatos também de alunos que entram na sala de aula fora do horário porque estava passeando no pátio, pois a escola não tem funcionários suficientes e desafiam os professores e professoras. A falta de funcionários, professores, e a precarização por parte de empresas que prestam serviços agravam os problemas. É possível encontrar nas escolas, não somente em Limeira, mas no estado que, em determinado período tem apenas um gestor para dar conta de tudo. É necessário enfatizar o comprometimento dos profissionais da educação que suprem, ao menos em parte, a falta de estrutura do sistema.

Essa questão vem piorando ao longo do tempo? Não tão antigamente a gente via um total respeito dos alunos com relação às professoras. Hoje em dia isso acabou? Essa "educação" teria de vir de casa? Os pais falham neste aspecto?
A educação é um processo civilizatório. Em casa, os pais devem ensinar regras básicas de boas maneiras e de convivência; a escola é responsável pela educação formal, mas também pela socialização. São vários os motivos desta crescente violência. Passa pelo crescimento do discurso do ódio, da desestruturação familiar, especialmente pelo agravamento, nos últimos quatro anos. Durante a pandemia da Covid-19, muitos perderam avós, parentes mais próximos ou ficaram órfãos de pai e mãe. A pesquisa aponta que questões de saúde mental como esgotamento e outros problemas se tornaram mais relatados – média de crescimento de 90% – por estudantes e professores, especialmente no pós-pandemia.

Falando nos pais. Qual o principal desafio do professor/escola em lidar com os pais que acham que errado é o professor? Esse tipo de mentalidade ainda é a maioria entre os pais?
Temos que encontrar formas para que a família venha para a escola. A gestão democrática é a melhor forma de ter a comunidade junto conosco. Temos exemplos em algumas regiões, quando a escola vira instrumento e equipamento daquela comunidade há mais proteção. Quando temos uma vítima de violência, todos sofrem, o professor, a criança, os pais. Nós queremos que os pais sejam nossos aliados, que entendam que a escola é parceira. Se tem pais que não seja nosso parceiro, isto é exceção, e temos que trabalhar esta exceção. O Estado tem que ter programas de formação para ajudar estes pais a ajudarem seus filhos para que tenhamos uma escola melhor.

Que tipo de trabalho a escola pode fazer com os alunos sobre violência escolar? Esses trabalhos que já existem, são efetivos e, se não, porque?
Entendemos que a complexidade do quadro de violência nas unidades escolares necessita de múltiplas medidas e soluções. Ela envolve aspectos pedagógicos e educacionais, gestão democrática das escolas, por meio dos Conselhos de Escola, aspectos de segurança e outros. Envolve, sobretudo, muito diálogo e muito debate de ideias para que se encontrem saídas que não derivem simplesmente para o autoritarismo ou que reduzam o problema ao aspecto disciplinar. Os Conselhos de Escola têm um importante papel a cumprir neste processo de conscientização, prevenção e combate à violência nas escolas. Ele deve elaborar e gerir, com a participação de representantes de todos os segmentos da comunidade escolar, todos os assuntos que dizem respeito ao processo de ensino-aprendizagem. A violência nas escolas afeta toda a sociedade e a busca por soluções deve ser igualmente assumida por todos.

O que o estado faz quando há um caso mais grave de violência, como o que ocorreu em São Paulo nesta semana? Os professores - não só os agredidos - são orientados e amparados pelo estado?
Há pouco amparo por parte do Estado. Em 2019, o então governador João Doria demonstrou total descompromisso com os professores, funcionários e estudantes das escolas públicas estaduais quando acabou com o programa Sistema de Proteção Escolar que instituiu a figura do Professor Mediador Escolar e Comunitário, cuja concepção contou com a contribuição da APEOESP. À época, nosso Sindicato solicitou a criação desta função, tendo em vista os altos índices de violência no interior das escolas. A instituição do Sistema de Proteção Escolar e, sobretudo, do Professor Mediador Escolar e Comunitário contribuiu perceptivelmente para a redução da ocorrência de casos de violência nas escolas até o ano de 2016 e após, mesmo com a redução do número de mediadores. Nossa reivindicação é do retorno do Professor Mediador, além da contratação de psicólogos, associados à contratação de mais funcionários concursados para as escolas, gestão democrática, fortalecimento dos Conselhos de Escola.

A questão do bullying é o maior problema dentro das escolas? Porque isso vem se disseminando ao longo dos anos? Porque há alguns anos a gente não ouvia palavras como estas e as coisas se resolviam de outra forma? Na sua visão de educador, qual a melhor forma de trabalhar assuntos difíceis com os alunos?
O bullying sempre existiu, mas não com este nome. Os apelidos maldosos, por exemplo, ou racismo, sempre causaram sofrimento psicológico. O maior aliado no combate ao bullying e ao preconceito é a informação. A melhor forma de trabalhar com os alunos é a discussão destes temas em sala de aula, fazê-los entender que se deve ter respeito ao outro, ao diferente. A garantia de uma educação para a diversidade é um dos mecanismos de enfrentamento de todas as formas de discriminação. Educar para a diversidade não significa apenas reconhecer as diferenças, mas refletir sobre as relações e os direitos de todas as pessoas.

Neste sentido (de assuntos complicados) existe algum tipo de trabalho conjunto com os pais e a escola? Haveria formas de trazer os pais (e o poder deles sobre os filhos) para tratar de assuntos complicados?
Atualmente não há nenhum trabalho que envolva os pais e a escola para estas questões na magnitude necessária para a maior rede educacional do Brasil. Obviamente existem extraordinárias experiências localizadas em determinadas unidades, mas é preciso que tenhamos um projeto estruturado para o tamanho da nossa rede. Reafirmo, os pais devem ser nossos principais aliados contra a violência na escola e a resolução de problemas complexos e ao estado cabe garantir toda estrutura. Como já disse, a melhor maneira é a democratização da gestão escolar e manter o Conselho de Escola ativo e participativo.

Em que aspecto, a sobrecarga de trabalho dos professores interfere em discussões para tratar da violência escolar?
Os baixos salários levam os professores a trabalhar em três jornadas e em mais de uma rede pública e na rede privada. Sem contar que leciona em salas com 40 alunos ou mais, sobretudo no período noturno, quando o ideal seria 25 estudantes por sala de aula, o que possibilitaria ao professor acompanhar melhor o desempenho de cada criança. O estresse é um dos principais motivos de adoecimento dos professores, pois eles têm que lidar rotineiramente com casos de agressões verbais e físicas nas salas de aula; com as brigas entre estudantes; a depredação e o furto de equipamentos; com a ação do tráfico de drogas no entorno e mesmo dentro das unidades escolares; com a ação de gangues e outras formas de violência. Por isto reivindicamos o fim da superlotação das classes, com limite de 25 alunos por sala de aula e a valorização da categoria. Temos cobrado da SEDUC (Secretaria de Estado da Educação), como já mencionei, medidas efetivas para a prevenção da violência nas unidades escolares, entre elas a contratação de psicólogos em todas as escolas, professores mediadores, melhoria na estrutura e contratação de funcionários por concurso.

O quanto que a internet e a facilidade de acesso a qualquer tipo de informação atrapalha na violência escolar e dificulta o trabalho dos professores?
A Internet é uma ferramenta importante no auxílio ao aprendizado, nos dias de hoje essa ferramenta é absolutamente necessária e deve ser garantida com qualidade e suporte técnico para todas as escolas. Infelizmente, no governo de Jair Bolsonaro, vimos crescer nas redes sociais a disseminação das imagens que promovem o uso de armas que afeta os jovens, sem contar as chamadas fake news e o discurso de ódio que na minha avaliação aumentou o racismo, o feminicídio, a misoginia, a xenofobia, a LGBTfobia, a intolerância religiosa e tantas outras formas de preconceito e discriminação em todos os ambientes, que obviamente se refletiu na mesma proporção nas escolas.

O Estado/escola têm hoje ferramentas para trabalhar a violência dos jovens, que acaba se transformando em muitas vezes casos como o que ocorreu em São Paulo nesta semana?
Existem alguns projetos de inciativa do estado, mas como demonstrou nossa pesquisa, absolutamente insuficientes, pois em muitos casos faltam o básico como um porteiro, mais funcionários, redução de alunos nas salas de aulas, programas de apoio, construções adequadas, formação para este fim, profissionais de suporte, integração de outras secretarias como Esportes e Cultura e Segurança. Garanto que temos profissionais capacitados na rede, se forem dadas as condições, com certeza avançaremos muito mais nessa questão de segurança nas escolas. Não adianta colocar câmeras ou detector de metais nas escolas se não tiver funcionários para monitorá-las.

Como pregar a cultura da paz dentro das escolas?
Infelizmente a violência na escola reflete o que acontece na sociedade em geral. Há anos a APEOESP vem desenvolvendo campanhas, como a Paz nas Escolas, Livros Sim, Armas Não e defendendo a contratação de psicólogos para atendimento de alunos e profissionais, campanha de conscientização e programas nas escolas, gestão democrática do sistema, onde toda a comunidade possa participar da concepção e execução dos projetos criando um clima de pertencimento da política pública e dividindo as responsabilidades. O policiamento no entorno das escolas e o combate ao tráfico de drogas é condição sine qua non, para ao menos amenizar a insegurança e a violência escolar.

Fique à vontade para falar sobre algum outro assunto que julgue importante.
A APEOESP está com a campanha “Revoga Já” o “novo” Ensino Médio. Isto porque ele é excludente, pois não prepara o estudante para cursar uma faculdade. A reforma do ensino médio nada trouxe de bom para a educação brasileira. Ao contrário, reduziu o número de aulas de matérias fundamentais como Português, Matemática, História, Geografia, Ciências, Artes, Filosofia, Sociologia para colocar no lugar “itinerários formativos” que não garantem uma formação de qualidade para a nossa juventude. Melhorar a qualidade na educação e aumentar as perspectivas dos nossos estudantes também é uma forma de deixar o ensino mais atrativo e envolver mais os alunos. Aproveito para parabenizar todos os profissionais da educação paulista que mesmo faltando estrutura procura supri-las com sua garra, compromisso, determinação e amor à nossa escola e aos nossos alunos. Que o governo entenda esse esforço e valorize os professores. Queremos educação de qualidade para todos, de todas as origens sociais, gênero, etnia ou região do país, queremos e lutamos por uma educação laica, gratuita, inclusiva e sem violência.

 

 

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