
O Senhor viu em Pedro o que nem ele via
Há experiências espirituais que não nascem de grandes milagres visíveis ou aparições extraordinárias, mas sim do encontro íntimo com a Palavra e da identificação profunda com alguém que, antes de ser santo, foi humano em toda a sua intensidade. A minha devoção a São Pedro nasceu assim: não de uma revelação repentina, mas do reconhecimento, no apóstolo, de um espelho da minha própria vida. Tenho cinquenta e um anos, sou católica, mas só há algum tempo Pedro se tornou para mim mais do que o primeiro Papa, mais do que uma figura histórica. Ele se tornou companheiro de caminhada porque em sua história encontro minhas fragilidades, minhas quedas, minha impulsividade e, ao mesmo tempo, a esperança de que Cristo vê além de tudo isso.
A narrativa de Pedro começa como
Simão, o pescador da Galileia, chamado pelo Senhor às margens do lago de
Genesaré. Quando Jesus encheu suas redes depois de uma noite fracassada de
pesca, Simão se prostou e disse: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem
pecador” (Lc 5,8). Esse é um dos episódios que mais me comove porque revela
alguém que não se engana sobre si mesmo. Pedro tinha autocrítica; ele conhecia
suas misérias, não escondia seus defeitos. Esse gesto de pedir a Jesus que se
afaste mostra o coração de quem teme não estar à altura, de quem sabe que
carrega em si limitações. E, no entanto, é exatamente ali que Jesus vê o
contrário do que Pedro enxerga: não um homem indigno, mas alguém em quem
repousa um potencial grandioso. O Cristo não se afasta - ao contrário, o chama:
“Não tenhas medo! De hoje em diante serás pescador de homens” (Lc 5,10).
É nessa contradição que começa a
minha devoção. Porque eu também me conheço bem: sei das minhas falhas, do meu
temperamento impulsivo, das vezes em que a palavra me escapa antes do
discernimento, das vezes em que o medo ou a fraqueza parecem falar mais alto
que a fé. E, assim como Pedro, já pensei em dizer ao Senhor: “Afasta-te de
mim.” Mas Jesus não se deixa intimidar pelas nossas misérias. Ele permanece.
Esse permanecer é a marca de Cristo: Ele não se afasta dos fracos, mas os chama
a segui-lo.
Pedro foi aquele que ousou
caminhar sobre as águas. Ao ver Jesus sobre o mar, pediu: “Senhor, se és tu,
manda-me ir ao teu encontro por sobre as águas” (Mt 14,28). E Jesus disse:
“Vem.” Pedro caminhou, por um instante sustentado pela confiança. Entretanto,
ao olhar o vento e as ondas, afundou. É impossível não se ver nesse episódio:
tantas vezes dou passos de fé, confio, começo a caminhar… mas diante das tempestades,
vacilo e afundo. O mais belo, porém, é que Jesus imediatamente estende a mão e
o segura (Mt 14,31). Pedro é o apóstolo que prova que a fé não é uma linha
reta. É feita de ousadia e de quedas, de confiança e de medo, de mãos que
afundam e mãos que são erguidas. Não há vergonha nisso: há humanidade. E há,
sobretudo, a certeza de que o Senhor não nos deixa afundar sozinhos.
Quando Jesus muda o nome de Simão
para Pedro, está declarando algo maior do que uma identidade nova. “Tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18). Naquele
instante, Jesus viu nele o que nem ele próprio via. Simão, o inconstante,
torna-se Pedro, a rocha. Essa é a chave da minha devoção: acreditar que o olhar
de Cristo não se fixa em nossas falhas, mas nas sementes de grandeza escondidas
sob a superfície. O Senhor não nos julga como nós nos julgamos; Ele revela em
nós uma potência que, sozinhos, nunca imaginaríamos ter. A cada vez que me
sinto insuficiente, lembro-me disso: Jesus olha para além das minhas falhas e
chama à tona o que ainda dorme.
Ainda assim, Pedro continuou
sendo humano, com suas contradições. No momento da prisão de Jesus, tomado por
ímpeto, saca da espada e corta a orelha de Malco, servo do sumo sacerdote (Jo
18,10). Esse gesto, impetuoso e briguento, mostra de novo a alma de Pedro:
alguém que, na ânsia de defender o Mestre, não mede consequências. Eu
compreendo esse movimento. Muitas vezes, a impulsividade que carrego é, no
fundo, um senso de justiça, uma vontade de proteger o que é sagrado, de
proteger quem se ama. O Cristo, no entanto, acolhe até esse gesto truncado, não
para condenar, mas para ensinar outro caminho: “Embainha tua espada” (Jo
18,11). Ele não anula o zelo de Pedro, mas o purifica, o direciona. E me ensina
que meu ardor, quando guiado pelo amor verdadeiro, pode se tornar força de
construção e não de destruição.
Depois virá a noite da negação.
Três vezes Pedro, tomado pelo medo, afirma não conhecer Jesus (Mt 26,69-75).
Essa é talvez a cena mais dolorosa de sua história, porque revela a fraqueza
humana em toda a sua nudez. Quantos de nós já não negamos Jesus de forma velada
- pelo silêncio, pela omissão, pela covardia? É fácil reconhecer-se em Pedro.
Mas, ao contrário do que se poderia esperar, Jesus não o descarta. Após a ressurreição,
nas margens do mesmo lago onde tudo começou, Cristo pergunta a Pedro: “Simão,
filho de João, tu me amas?” (Jo 21,15-17). No diálogo em grego, a riqueza é
ainda mais clara: Jesus pergunta duas vezes usando o verbo agapao, que
significa o amor incondicional, o amor pleno. Pedro responde com phileo, que é
o amor de amizade, de afeto humano. Na terceira vez, Jesus desce ao nível de
Pedro e pergunta também com phileo. É como se dissesse: “Eu aceito o amor que
você é capaz de me dar.” Ali está o coração do evangelho: Jesus não exige de
nós mais do que podemos oferecer; Ele parte do que temos. E é a partir desse
amor imperfeito que Ele confia a Pedro o cuidado do rebanho: “Apascenta as
minhas ovelhas.”
Esse detalhe da linguagem é
precioso para mim. Porque muitas vezes me sinto oferecendo a Deus um amor
imperfeito, frágil, cheio de vacilos. Mas sei que o Senhor o acolhe assim
mesmo, e é desse pouco que Ele faz nascer algo grande. A pedagogia de Jesus é
sempre de acolhimento: Ele não anula nossas fraquezas, mas as integra e as
transforma.
Jesus fez de Pedro o chefe da
Igreja, não porque fosse o mais equilibrado ou o mais constante, mas porque
nele havia verdade, paixão, coragem. O que para muitos poderia parecer defeito -
o temperamento impulsivo, a oscilação, a ousadia que beira a imprudência - para
Cristo era potência. Ele não apagou essas características, mas as transformou
em liderança. Isso me dá esperança: aquilo que em mim parece fraqueza pode ser,
aos olhos de Deus, a pedra sobre a qual algo se sustenta.
A tradição da Igreja ainda nos
oferece outros episódios de Pedro que reforçam esse caminho. No livro dos Atos,
vemos Pedro cheio do Espírito Santo, pregando no dia de Pentecostes e
convertendo milhares de pessoas (At 2,14-41). O mesmo homem que negou o Mestre
diante de uma serva é capaz de anunciar com coragem a Ressurreição diante de
multidões. Essa transformação só é possível porque Jesus nunca desistiu dele. É
a prova de que Cristo não vê apenas o que somos agora, mas o que podemos nos
tornar.
Em outro momento, Pedro é
libertado da prisão por um anjo (At 12,6-11). Esse episódio mostra não apenas a
ação de Deus em favor de seu apóstolo, mas também a confiança que a Igreja já
tinha nele. Mesmo em meio às perseguições, Pedro é sinal de firmeza. E, mais tarde,
dará testemunho supremo com o martírio em Roma, morrendo de cabeça para baixo
por não se julgar digno de morrer como o Senhor. Esse final de vida é a
consumação de sua transformação: do pescador impulsivo ao pastor que entrega
tudo.
Por isso sou devota de São Pedro.
Porque nele vejo que Deus não escolhe os perfeitos, mas os que se deixam
transformar. Vejo que Cristo não se detém em nossos pecados, mas no que podemos
ser. Vejo que a impulsividade, quando tocada pela graça, pode se converter em
justiça, em coragem, em firmeza. E porque, como Pedro, eu também quero ser
aquela que, mesmo entre quedas e medos, permanece junto do Mestre deixando-se
reerguer sempre.
Hoje, aos cinquenta e um anos,
compreendo que a devoção não é adoração, mas identificação. Pedro é santo
porque foi humano e porque deixou que o olhar de Jesus fosse mais forte do que
suas quedas. Minha oração diária é que Cristo perceba em mim algo que nem
eu vejo, apesar das minhas falhas. E que, como Pedro, mesmo depois de negar, eu
seja capaz de dizer: “Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo” (Jo
21,17). E que, como ele, eu possa transformar meu temperamento, minha
impulsividade, em pedra firme sobre a qual o amor de Deus constrói algo maior
do que eu poderia imaginar.
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