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Redes sociais e saúde mental

O uso intenso das redes sociais está associado a impactos diretos na saúde mental da população brasileira. O Panorama da Saúde Mental 2024, realizado pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel, apontou que 45% dos casos de ansiedade entre jovens de 15 a 29 anos têm relação com o tempo gasto nessas plataformas. O levantamento mostrou ainda que 65% dos entrevistados enfrentam algum grau de dificuldade emocional, o que reforça a necessidade de compreender como o ambiente digital interfere no bem-estar psicológico e nas relações cotidianas. O estudo reuniu dados de todas as regiões do país e destacou a influência crescente das interações virtuais na forma como os jovens lidam com a própria identidade e com a pressão social.

A pesquisa também identificou ligação entre o tempo de uso das redes e o aumento de casos de depressão. Jovens que passam mais de três horas diárias conectados têm 30% mais risco de desenvolver sintomas depressivos. Especialistas alertam que a exposição constante a conteúdos de sucesso e felicidade cria comparações e pressões que afetam a autoestima e o equilíbrio emocional. Embora as plataformas digitais ampliem o acesso à informação e à convivência, também favorecem comportamentos de isolamento e sobrecarga psíquica.

Para aprofundar essa discussão, a Gazeta entrevistou a psicóloga Jéssica Fassis, que atua em Limeira e Cordeirópolis, com experiência no atendimento a adolescentes e adultos no CAPS e na área educacional da Patrulha Mirim, acompanhando o desenvolvimento de jovens aprendizes.

 

Atualmente, como o uso excessivo das redes sociais tem influenciado a construção da identidade e da autoestima dos adolescentes atendidos em serviços como o CAPS?

Hoje, percebo que muitos adolescentes têm construído sua identidade diante do espelho virtual das redes sociais. Ali, o que vale é o “like”, o filtro, o destaque e isso tem interferido profundamente na autoestima. No CAPS, vejo jovens que se olham menos por quem são e mais por como são vistos. Quando o olhar do outro se torna medida de valor, o “eu” vai se perdendo. É como se a tela virasse um espelho distorcido, refletindo mais o desejo de aceitação do que a própria essência.

Quais são os sinais mais recorrentes de sofrimento emocional entre adolescentes que buscam refúgio nas telas, e como os profissionais podem identificá-los precocemente?

Os sinais aparecem de forma sutil, mas dizem muito: isolamento, irritabilidade, tristeza sem explicação, noites mal dormidas e a sensação constante de vazio. São jovens que se escondem nas telas tentando preencher algo que falta por dentro. O profissional precisa ter um olhar atento e acolhedor, capaz de perceber o que não é dito. Muitas vezes, o silêncio fala mais do que qualquer palavra.

De que forma a ausência de vínculos familiares e comunitários sólidos contribui para que o celular se torne uma “fuga” emocional?

Quando os vínculos familiares e comunitários se enfraquecem, o celular vira um porto seguro. É onde o adolescente sente que pode pertencer, ainda que de forma ilusória. A ausência de laços reais abre espaço para uma conexão que é mais virtual do que verdadeira. O aparelho, então, se torna companhia, refúgio e fuga ao mesmo tempo. O problema é que essa fuga, com o tempo, aumenta a solidão que se queria evitar.

Como a pandemia e o isolamento social impactaram as formas de interação e o aumento de casos de sofrimento psíquico entre adolescentes?

A pandemia foi um divisor de águas. Intensificou o isolamento e fez das telas o principal meio de contato com o mundo. Ao mesmo tempo em que aproximou, também afastou. Muitos adolescentes se acostumaram a estar “presentes” apenas digitalmente, e o retorno ao convívio presencial trouxe inseguranças e ansiedades. No CAPS, sentimos esse impacto diariamente, com o aumento expressivo do sofrimento psíquico e uma geração que tenta reaprender a estar junto de verdade.

Quais estratégias podem ser aplicadas por famílias e escolas para equilibrar o uso da tecnologia sem recorrer à proibição?

Proibir o uso da tecnologia não resolve. O caminho é o equilíbrio. É preciso ensinar o uso consciente, conversar sobre os impactos das redes e, principalmente, resgatar o prazer das relações reais. Famílias e escolas têm papel essencial nesse processo: criar momentos de convivência e experiências que despertem o interesse pelo “fora da tela”.

As redes sociais podem, de alguma forma, ser utilizadas como ferramenta de fortalecimento emocional e social?

Sim, desde que usadas com propósito. As redes podem ser espaço de expressão, troca e pertencimento. Mas isso exige mediação e presença. Quando o adulto se faz presente não para vigiar, mas para acompanhar, o digital pode se tornar uma ponte de fortalecimento e não um abismo.

Como o trabalho interdisciplinar entre assistentes sociais, psicólogos, educadores e famílias pode fortalecer a “rede afetiva”?

O trabalho interdisciplinar é o que sustenta o cuidado. Quando psicólogos, assistentes sociais, educadores e famílias caminham juntos, o adolescente sente que existe uma rede de apoio em volta dele. Cada profissional enxerga de um ângulo, mas todos compartilham o mesmo olhar. Essa soma de perspectivas torna o acompanhamento mais humano e efetivo.

Quais políticas públicas ou projetos sociais você considera eficazes no enfrentamento da solidão, da ansiedade e do uso problemático de tecnologia entre adolescentes?

As políticas públicas que fortalecem espaços de convivência, arte, esporte e cultura são fundamentais. Quando o jovem encontra um lugar de expressão e pertencimento, o celular deixa de ser o único refúgio. Programas comunitários, oficinas de música, esportes e projetos sociais que valorizam o coletivo fazem diferença real. Para preencher o vazio, é preciso oferecer algo que faça sentido para a vida desses adolescentes.

Como lidar com o desafio de estabelecer vínculos com adolescentes que apresentam resistência à escuta e preferem se comunicar apenas pelo meio digital?

É um desafio, mas também um convite à paciência. Nem sempre eles querem falar, e tudo bem. O importante é mostrar que o espaço está aberto e que há alguém disposto a escutar sem julgar. Às vezes, o primeiro passo é entrar no mundo deles, compreender suas linguagens, para depois convidá-los ao encontro presencial. O vínculo se constrói com tempo e verdade.

Que conselhos você daria a pais e cuidadores que se sentem perdidos diante do distanciamento emocional dos filhos e da presença constante do celular na rotina familiar?

Aos pais e cuidadores, digo que os filhos precisam de presença real. O tempo de qualidade, o olhar atento e o interesse genuíno valem mais do que qualquer regra sobre o uso do celular. Conversem, perguntem, compartilhem. Mostrem que estão ali não para invadir, mas para acompanhar. Quando há vínculo, o celular perde o poder de afastar, e o afeto volta a ocupar o lugar que é seu por direito.

 

 

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