"Inclusão racial ainda não avançou"

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Em entrevista para a Gazeta, Patrícia Souza Anastácio, Conselheira da AASP e especialista em Direito do Trabalho, destacou a falta de avanços na inclusão racial no contexto trabalhista. Apesar de conquistas recentes na legislação, como a Lei 14.611/2023 sobre igualdade salarial, a questão racial ainda não foi adequadamente abordada, com trabalhadores negros continuando a receber salários inferiores.

 

Patrícia Anastácio é uma das coordenadoras da edição inédita da Revista do Advogado AASP que trouxe, pela primeira vez como tema, a igualdade racial como tema central da publicação. São 22 artigos escritos por 24 especialistas empenhados em promover e enriquecer o debate, bem como conscientizar sobre a urgência da temática.

 

Com 20 anos de atuação no mercado corporativo, em especial assessoria empresarial trabalhista em diversos segmentos atuando no contencioso, e no consultivo trabalhista sobre impacto do passivo trabalhista, amplo conhecimento em recursos humanos, departamento pessoal, treinamentos com vivência em todas as fases na gestão de pessoas. Palestrante há 5 anos na área de recursos humanos, direito do trabalho e letramento racial. Sócia do Escritório Chaul, Anastácio e Carvalho Advogados.

 

Ela destacou os desafios enfrentados para promover a diversidade e combater o racismo no ambiente de trabalho, destacando o papel do Direito do Trabalho nesse processo. Para ela ainda é preciso inclusão nos cargos de gestão para promover um ambiente de trabalho mais justo e igualitário.

 

Confira:

 

Quais são as principais mudanças observadas no cenário trabalhista pós-pandemia?

 

A pandemia da Covid-19, iniciada em março de 2020, apresentou nova análise para as questões que envolvem a relação empregatícia, uma vez que, na época, houve a determinação expressa das autoridades (Estaduais e Municipais) acerca da necessidade de fechamento dos estabelecimentos em razão da rápida propagação do vírus.

 

Com isso, muito se discutiu como ficariam os contratos de trabalho para as atividades não consideradas essenciais, tais como: farmácia, hospitais, supermercados, postos de gasolinas etc.

 

O artigo 75-A da CLT e os seguintes – com mudança inserida na legislação pela Reforma Trabalhista de 2017 – trouxeram a hipótese do teletrabalho, como, por exemplo, na forma de prestação de serviços fora da sede da empresa. E foi o que ocorreu na pandemia: as empresas passaram a utilizar essa modalidade.

 

Nesse período também houve a edição de algumas Medidas Provisórias, como as 927/2020, 936/2020 e 1.046/2021, para fins de suspensão do contrato de trabalho, regularizando o trabalho em home office, além de outras intervenções para alguns setores específicos da Economia, como no Turismo, Saúde, entre outros.

 

Ou seja, no período pandêmico, algumas leis foram relativizadas para dar vazão à Economia, manter os contratos de trabalho e realizar pagamento imediato para as famílias em situação de vulnerabilidades.

 

No cenário trabalhista pós-pandemia, a realidade que se delineou – e permanece – é a da retomada do direito do trabalho, da figura do trabalhador como foco central da economia brasileira, uma vez que ficou mais do que provado que o capital e o trabalho andam juntos e um não sobrevive sem o outro. Por esse motivo, é necessário priorizar as relações de trabalho e emprego.

 

Como a legislação trabalhista brasileira tem acompanhado e se adaptado às transformações tecnológicas do mercado de trabalho?

 

O acompanhamento da legislação trabalhista quanto às inovações e aos avanços tecnológicos não é um dilema exclusivo do Direito do Trabalho e, sim, de todas as esferas do Direito, pois nem sempre a legislação consegue acompanhar essas transformações que estão cada dia mais dinâmicas.

 

As relações pós-pandemia e na era tecnológica são mais ativas, porém, há dificuldade para alguns trabalhadores voltarem ao mercado profissional e a mão de obra vem sendo substituída pela máquina, o que traz a população para a informalidade e precarização trabalhista.

 

Há um dilema quanto à proteção dos direitos da classe trabalhadora e os avanços tecnológicos junto ao mercado de trabalho, além de um apelo econômico para a flexibilização da legislação trabalhista frente ao capital, o que causa ainda mais abismo social e a desigualdade de oportunidades.

 

Quais conquistas recentes, em termos de legislação trabalhista, que promovem maior igualdade e justiça social?

 

A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, em seu artigo 7º, elenca os direitos sociais como garantias fundamentais, assegurando a todos a igualdade – tanto para os trabalhadores urbanos quanto os rurais – e inova ao reconhecer os direitos dos domésticos, trazendo para o ordenamento jurídico a justiça social como base de nossa legislação.

 

Além disso, recentemente, foi promulgada a Lei 14.611/2023, que fala da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, elencando medidas de transparência e critérios remuneratórios, uma vez que estudos indicam que a mulher recebe, em média, um salário 40% menor do que o homem.

É relevante destacar, também, que a igualdade e a justiça social ainda não ultrapassaram nem avançaram na temática racial, haja vista que os trabalhadores negros continuam recebendo valores inferiores aos salários dos não negros.

 

Assim, a implantação de medidas e ações afirmativas para a promoção da mulher permanece necessária e urgente para avançarmos na igualdade assegurada na Constituição Federal.

 

A igualdade racial tem sido um tema cada vez mais discutido nos diversos setores da sociedade. Como você vê a inclusão dessa discussão no âmbito do Direito do Trabalho e quais são os principais desafios enfrentados nesse sentido?

 

As questões relacionadas à igualdade racial perpassam diversos campos: educação, saúde, trabalho e garantias, além de acessos mínimos que não estão disponíveis à população negra.

 

As empresas vêm promovendo e trazendo para o debate a discussão sobre a importância da diversidade no seu quadro de funcionários. Hoje, é notório o crescimento das companhias que entenderam a necessidade de implantar ações afirmativas para a inserção dos trabalhadores negros nas corporações.

 

O Direito do Trabalho sempre esteve à frente dessas questões, e a igualdade salarial, que não está apenas no âmbito de gênero e raça, apesar de o maior desafio ser o reconhecimento do racismo estrutural, trata-se também da falta de representatividade, desigualdades estruturais, falta de conhecimento, que devem ser considerados como parâmetros para o início do debate da inclusão dos grupos minoritários.

 

 

Como as empresas podem promover a diversidade e combater o racismo no ambiente de trabalho, e qual é o papel do Direito do Trabalho nesse processo?

 

A promoção da diversidade e o combate ao racismo, no ambiente laboral, se concretizam por meio de políticas e ações afirmativas, tais como: engajamento da liderança, ambiente de trabalho inclusivo, concessão de bolsas de estudos, palestras e letramento racial.

 

O Direito do Trabalho serve como instrumento para a implementação de medidas necessárias para promover a inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho, com papel importante nesse processo, garantindo a igualdade de oportunidades e combatendo a discriminação.

 

Vale ressaltar que o racismo é crime, e a discriminação ocorrida no ambiente profissional pode gerar consequências jurídicas e indenizações. Portanto, a promoção da diversidade e o combate ao racismo, nas empresas, são responsabilidades de todos, e elas podem implementar diversas medidas para criar um local corporativo mais inclusivo e justo para todos os colaboradores.

 

Em sua opinião, quais são os principais obstáculos que ainda precisam ser superados para alcançarmos uma sociedade mais justa e igualitária no contexto trabalhista, especialmente em relação à questão racial?

 

Essa é uma pergunta de difícil resposta, já que os obstáculos que ainda precisam ser superados, muitas vezes, nem são apresentados. Ainda estamos caminhando, a passos lentos, para a igualdade racial em nossa sociedade. Já temos a Lei de Cotas, que completou 10 anos; o Estatuto da Igualdade Racial; além da inclusão da obrigatoriedade de incluir percentual de candidatos negros e mulheres nos partidos políticos. Mas a Educação ainda é o caminho e a porta inicial para as oportunidades.

 

No contexto trabalhista, o investimento em ações afirmativas, como a de conscientização e educação sobre a igualdade racial, a promoção da diversidade e a inclusão de representantes negros nos cargos de gestão e em diversos setores da sociedade, bem como o combate à discriminação racial, são alternativas necessárias para o início do enfrentamento da questão racial.

 

Quais são os principais conselhos que você daria para empresas e profissionais do Direito que desejam promover um ambiente de trabalho mais inclusivo e igualitário?

 

Nos meses de julho e novembro, sempre sou contratada para palestrar e, frequentemente, recebo esse tipo de questionamento (risos), e eu, constantemente, respondo com as seguintes perguntas: 1) Além dos meses de julho, conhecido como “Mês das Pretas” e, novembro, “Consciência Negra”, a empresa traz para o debate mais palestras e engajamentos que visam ao combate à discriminação racial em outras ocasiões? 2) Quantos advogados negros ou funcionários negros, de preferência em cargos de gestão, têm dentro do seu quadro de colaboradores? 3) Quais os critérios para a contratação? 4) O que a sua empresa faz para promover a desigualdade racial?

 

Se as respostas forem NÃO para todas ou maioria das perguntas, o primeiro conselho que concedo é buscar implantar ações afirmativas, engajamentos e inclusão de trabalhadores negros aos quadros da empresa.

 

A inclusão da discussão sobre a igualdade racial, no âmbito do Direito do Trabalho, é um passo importantíssimo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

 

 

 

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